A tecnologia de vigilância está em ascensão na América Latina
O New York Times noticiou no mês passado que Alejandro Encinas, o principal funcionário de direitos humanos do México e amigo pessoal do presidente Andrés Manuel López Obrador, foi repetidamente alvo do spyware Pegasus enquanto investigava abusos cometidos pelos militares mexicanos. Foi o mais recente de uma série de escândalos revelando o caro caso de amor da polícia mexicana com uma das ferramentas de hacking mais notórias do mundo.
A análise forense confirmou o uso do Pegasus, uma ferramenta licenciada para agências governamentais que permite acesso remoto total ao dispositivo de um alvo, para atingir jornalistas e a sociedade civil em três países da América Latina: México, El Salvador e, mais recentemente, a República Dominicana.
Tudo faz parte de uma tendência regional mais ampla em que mais latino-americanos do que nunca estão tendo seus movimentos, comunicações e até mesmo a temperatura corporal rastreados por seus governos. Em todo o hemisfério, os governos estão assinando contratos lucrativos para ferramentas de monitoramento – não tão invasivas quanto a Pegasus, com certeza, mas ainda uma causa potencial de alarme em uma região com um histórico de agências de inteligência vigiando seus próprios cidadãos com pouca responsabilidade, supervisão ou informações básicas sobre seu uso.
"O grau de intrusão e naturalização dessas tecnologias tem avançado na região nos últimos 10 anos", disse Veridiana Alimonti, diretora associada da Electronic Frontier Foundation para políticas latino-americanas.
Embora a evolução e a implantação acelerada de tecnologias de vigilância sejam questões globais, alguns especialistas dizem que a América Latina é particularmente vulnerável. Eles argumentam que as estruturas jurídicas especialmente fracas da região, combinadas com orçamentos expansivos para agências de inteligência e aplicação da lei para comprar ferramentas de combate ao crime, criam um ambiente propício para abusos.
Cynthia Picolo, diretora executiva do think tank brasileiro de política digital LAPIN, divide o guarda-chuva da "tecnologia de vigilância" em três elementos principais. A primeira, hacking governamental, inclui ferramentas que permitem acesso remoto ou direto a dispositivos móveis. A segunda categoria, abrangendo a vigilância em massa
No México, agências federais e estaduais gastaram mais de US$ 14,4 milhões em contratos de spyware somente entre 2018 e 2021, de acordo com dados coletados pela e-consulta, Connectas e Digital Rights Defense Network (R3D). As autoridades mexicanas, incluindo militares, também usaram repetidamente o Pegasus contra ativistas e jornalistas. O ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli supostamente usou o dispendioso spyware de forma prolífica — os promotores o acusaram de desviar mais de US$ 13 milhões para criar uma divisão secreta de inteligência que espionava empresas concorrentes, oponentes políticos, líderes sindicais e jornalistas. (Martinelli negou irregularidades.) O Universal Forensic Extraction Device (UFED) da Cellebrite, uma ferramenta de análise forense que extrai informações de um dispositivo móvel, foi implantado na América Latina por agências de aplicação da lei em países como a Argentina, de acordo com um relatório do governo, e Honduras , de acordo com o Departamento de Estado dos EUA. A tecnologia vendida pela empresa de inteligência Circles, que pode identificar a localização de um dispositivo usando apenas um número de telefone, foi detectada no Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Peru.
No Brasil, onde o uso da tecnologia de reconhecimento facial se expandiu significativamente desde 2021, segundo o LAPIN, o Ministério da Justiça criou o Cortex, programa que integra leitores automatizados de placas com redes de câmeras de vigilância e outros bancos de dados para rastrear os movimentos dos indivíduos em tempo real . Especialistas dizem que esses programas – nos quais os dados de localização são coletados em massa, em vez de visar indivíduos suspeitos de cometer crimes – levantam preocupações sobre privacidade e outras violações de direitos. Outros países, incluindo todo o Cone Sul, lançaram iniciativas semelhantes de combate ao crime utilizando reconhecimento facial e redes de câmeras.
A dependência de dados biométricos para intervenções de saúde pública durante a pandemia de COVID-19 apenas acelerou essa tendência. Os governos introduziram câmeras térmicas nos centros de transporte e rastrearam os movimentos dos usuários para garantir a conformidade com as medidas de bloqueio, com pouca responsabilidade sobre como os dados são usados ou armazenados.
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